Eu não assisti “A Bela e a Fera”. Ainda. Faz aproximadamente quatro anos que mal saio de casa para me divertir, quanto mais ir ao cinema (as mamães de plantão entenderão). Eu estava um pouco mais empolgada do que o normal para assistir esse filme, mas admito que já enjoei dele por causa de tanto bafafá. Por isso, provavelmente só assistirei daqui uns anos. No entanto, senti o desejo de comentar a respeito de tudo que tem sido discutido.
É importante definir que há várias vozes envolvidas nessa polêmica. Entre o público cristão, há os que assistiram, demonizam o filme por causa do personagem nitidamente homossexual e encorajam os outros a não assistirem. Há os que assistiram, viram o mal retratado, o ignoraram por se tratar de um filme belo e acham muito barulho por pouca coisa. Há os que não assistiram e agora estão em dúvida se vale mesmo à pena, pois suas consciências foram agitadas por causa do primeiro grupo. E há os pais que preocupam-se mais se deveriam ou não levar os filhos para assistir.
Deixarei a polêmica dos filhos para o discernimento de cada pai, por se tratar não somente do seu próprio coração, mas da sua responsabilidade para com o indefeso. Acredito que uma vez que os pais compreendem de fato o que a Bíblia tem a dizer sobre tudo isso, eles então terão a sabedoria para aplicar a verdade na sua situação em particular, ensinando discernimento aos filhos, mas acima de tudo ensinando-lhes o contentamento — não por não poder assistir, mas em não precisar assistir, sabendo que em Cristo somos livres para viver contente e plenamente sem precisar satisfazer cada desejo fútil do nosso coração.
O problema de comentar qualquer coisa a respeito de um filme “polêmico” como “A Bela e a Fera” é não se tratar de algo preto e branco. Há um enorme leque de atividades cotidianas que caem numa área moral cinzenta. Não se enganem. A linha entre o certo e errado não está embaçada. Não há nenhum momento no qual Deus não sabe se está agradado ou não com nossas escolhas pessoais. Rev. Dr. Davi Charles Gomes, ao falar de antítese, comenta que essa linha divisória não é algo exterior a nós mas é algo que perpassa o próprio cerne do nosso coração. Em certas ocasiões, a linha torna-se mais difícil de encontrar, porque outras coisas mais “polêmicas” nos distraem e tiram o foco do que realmente importa. Enquanto algumas escolhas demonstram exteriormente de forma clara onde está nosso coração (adulterar, roubar, matar, mentir, etc.), as escolhas mais cotidianas e banais alienam nossos princípios morais. Mas nem por isso os princípios morais deixam de existir. Nós apenas tornamo-nos surdos a eles por causa do barulho vindo de fora. Desta forma, é possível duas pessoas estarem fazendo a mesma coisa e apenas uma estar pecando ao fazê-la.
O que isso tem a ver com “A Bela e a Fera”? Como eu posso comentar a respeito de um filme que sequer assisti?
Eu acredito na Bíblia quando ela diz que “toda a Escritura é inspirada por Deus, e útil para ensinar, para repreender, para corrigir e para formar na justiça. Por ela, o homem de Deus se torna perfeito, capacitado para toda boa obra” (2 Timóteo 3.16-17). Isso significa que Deus não nos largou para vivermos de adivinhação. Não há assunto relevante a nossa santidade sobre a qual a Palavra de Deus não tem algo a dizer.
O que então a Bíblia diz acerca de assistir ou não “A Bela e a Fera”? Tenho certeza que na sua imensa riqueza, há muito mais a dizer do que o que eu selecionei. Mas esses textos em particular me guiam em muitos momentos de dúvidas.
Primeiro, Paulo diz em 1 Coríntios 6:12,
“Todas as coisas me são permitidas, mas nem todas são proveitosas. Todas as coisas me são permitidas, mas eu não me deixarei dominar por nenhuma delas.”
Ele está se referindo aqui à polêmica que os irmãos que estavam causando ao processarem uns aos outros publicamente ao invés de resolverem entre si seus problemas: “O fato de terdes processos judiciais uns contra os outros demonstra que já estais derrotados. Em vez disso, por que não sofreis a injustiça? Por que não sofreis o prejuízo?” (1 Coríntios 6.7) Para Paulo, era mais proveitoso sofrerem os danos para pacificar uma briga do que difamar o nome da Igreja expondo seu irmão ao mundo.
Apesar do texto estar tratando de uma situação em particular, acredito que podemos aplicar isso a muitas das escolhas “Posso ou não posso?” que envolvem assuntos da área cinzenta, por nos fazer sondar o coração com algumas perguntas:
- Minha escolha prejudica meu irmão e difama o nome da Igreja?
- Minha escolha será proveitosa a mim e/ou aos outros?
- Minha escolha é fruto de uma idolatria?
A primeira pergunta pode parecer ambígua. Há irmãos que se escandalizam e se fazem de prejudicados por hipocrisias e arrogância. Não sofremos os danos por conta dos desejos hipócritas dos outros. Cristo morreu para nos libertar do temor dos homens. No entanto, há ocasiões nos quais estamos, como Paulo comenta em 1 Coríntios, sendo tropeço para os que ainda não possuem firmeza na fé. “Mas, cuidado para que essa vossa liberdade não se torne em motivo de tropeço para os fracos” (1 Coríntios 8:9). “O conhecimento dá ocasião à arrogância, mas o amor edifica” (1 Coríntios 8:1). Acredito que isso possa se aplicar tranquilamente aos pais que temem pelos filhos. Temos a responsabilidade de preservar e guiar a consciência deles. A preservação de sua consciência é mais importante do que satisfazer um desejo passageiro induzido pelo temor aos homens (como o medo de ser a única pessoa que não assistiu e a pressão do colegas). E há momentos nos quais podemos confiar que sua consciência está madura o suficiente para podermos exercer nossa liberdade em amor. Como falei outrora, isso cabe aos pais decidirem sabiamente.
A segunda pergunta pode também lançar dúvidas com o significado de “proveitoso”, especialmente quando se trata de algo que “não faz mal a ninguém”. Acredito que Filipenses 4.8 pode lançar uma luz sobre isso num nível mais íntimo: “Quanto ao mais, irmãos, tudo o que é verdadeiro, tudo o que é honesto, tudo o que é justo, tudo o que é puro, tudo o que é amável, tudo o que é de boa fama, se há alguma virtude, e se há algum louvor, nisso pensai”. Sua escolha fará com que você encha sua mente de coisas verdadeiras, honestas, justas, puras, amáveis, de boa fama, de virtudes e louvor?
Voltando aos filmes, o cinema é um meio de comunicação e você é o receptor da mensagem. Querendo ou não, as ideias lançadas na telona (ou na telinha) farão com que você pense sobre elas. Essa é a natureza retroalimentícia do cinema. Ela seleciona algumas das ideias que borbulham na sociedade, as regurgitam no palco e lançam nela o holofote de uma cosmovisão geralmente antibíblica. Essas ideias receberão mais atenção do que normalmente receberiam e assim ganham força e notoriedade na sociedade, gerando mais filmes, mais polêmica e mais conversa.
Você vai pensar sobre o que você vê. Seja agora ou depois, as imagens com as quais você alimenta seu cérebro serão os futuros recursos do seu raciocínio. Como uma criança aprende a identificar uma flor? Como elas poderão futuramente dizer “Isto é uma flor e isto não é”? É por causa da familiaridade que desenvolvem por verem as inúmeras flores ao longo de suas vidas!
Com essa segunda pergunta em mente, podemos filtrar então aquilo que seria o contrário de proveitoso, ou seja, algo que seja um desperdício, medíocre e prejudicial.
A terceira pergunta é bastante íntima e exige honestidade. A sua escolha é fruto de alguma idolatria? A sua escolha foi feita por você por algo que te domina? Tomar uma taça de vinho pode ser nada de mais para alguém, mas para um alcóolatra pode representar a incapacidade de dizer “Não”. Numa sociedade que cada vez mais exalta a busca individual por satisfação própria, vemos uma geração cada vez mais incapaz de dizer “não” aos próprios desejos. Tenho visto pessoas até se gabarem por não terem vida social porque Netflix não para de disponibilizar seriados bons. São escravos dos próprios desejos. Você está tomando sua escolha sob a dominação do seu ídolo? Se você está disposto a abafar sua consciência para assistir um filme ou seriado deplorável só porque você quer, se você não lida bem ao ser impedido de assistir alguma coisa, se seu hábito de satisfação própria tem lhe custado caras oportunidades para crescer me sabedoria e propagar o Reino de Deus sem lhe causar desconforto, pense bem em como você tem permitido que seus desejos te dominem. Talvez uma boa forma de você se auto-examinar seja imaginando qual seria sua reação caso fosse impedido de realizar sua escolha.
Naturalmente, a pergunta que não quer calar é como saberemos se um filme encaixa-se nessas coisas sem assisti-lo primeiro? Não sejamos ingênuos! Vivemos num mundo de informação instantânea. Podemos assistir um trailer com dois cliques. Podemos ler sinopses. Podemos buscar saber de quem já assistiu. Podemos até mesmo muitas vezes inferir o conteúdo do próprio cartaz, do próprio título, dos atores, dos diretores, e da classificação. Mas novamente, não sejamos ingênuos. Há filmes nos quais essas coisas simplesmente aparecem sem aviso. Para isso, precisamos sempre estar atentos.
Depois de tudo isso, o que podemos concluir? Em Cristo, temos a liberdade para desfrutarmos dos prazeres da vida se ao fazermos isso glorificamos a Deus. Não fomos salvos para o farisaísmo, nem tampouco para a libertinagem. Não coloquemos fardos inúteis nas costas dos outros. Mas não façamos da carne sacrificada aos deuses um tropeço para nossos irmãos em Cristo. Queira você assista ou não mais novo filme polêmico, faça isso usando da sua liberdade com sabedoria e para sua própria edificação.
E mais do que tudo, lembre-se de que tudo isso passará em breve.
Ensina-nos a contar nossos dias para que alcancemos um coração sábio. (Sl 90.12)