quarta-feira, 23 de outubro de 2013

Como conviver com a bagunça (de um marido escrevendo monografia)

Por Drika Vasconcelos

Se você entrasse na minha casa hoje, você veria isso:


Sim, são pilhas de livros no chão, lá no fundo. Quatro pilhas, para ser mais exata. E olha que não cabem mais na única estante que temos para isso! E esse é o canto do pequenino João Gabriel que estará chegando em janeiro:


Eu sei. Cadê o berço, né? Cadê as coisas do bebê (metade está guardada numa mala e metade está numa dessas prateleiras)? Na verdade, cadê o espaço? Cadê o topo da mesa? Nem me fale, que ainda estamos tentando descobrir como ajeitar isso tudo sem gastar muito dinheiro!

Bem-vindos. Isso se chama vida. Com um marido estudando para se formar no final deste ano e comigo concluindo o ano de trabalho(s) até o bebê chegar, não é de me espantar que isso tem se tornado uma realidade com a qual tive que aprender a conviver. Se você leu Ansiedade: O pecado oculto, viu que não sou muito chegada em desorganização. Aliás, essas coisas tem servido muito como lição no dia-a-dia para eu aprender a confiar em Deus e largar de ser perfeccionista. E tem sido uma luta diária. Eu não gosto de não poder usar minha mesa de imediato. Eu não gosto de ter que me desviar para não derrubar uma pilha de livros. Na verdade, eu não gosto de ver qualquer coisa que seja fora do lugar (a não ser que esteja sendo usado naquele momento imediato).

Já meu marido não pensa bem assim. Para ele, se há espaço, é para ser usado. E isso inclui o chão, o sofá, a mesa e as cadeiras. Eu brinquei com ele esses dias sobre usar os livros para construir um berço pro João Gabriel. Na verdade, eu tenho pecado um pouco em frustração e raiva por vê-lo comprar tanto livro sem termos onde colocar e ainda com um bebê a caminho que só Deus sabe onde vai caber. Nossa vida é assim: uma aventura.

Como solteira, eu tinha a liberdade de passar horas e horas arrumando minhas coisas, sem ter que me preocupar com comida, roupa, e qualquer coisa mais séria. Como solteira, eu poderia pegar um livro e decidir na hora se eu queria me livrar dele ou pegar um documento ou qualquer coisa que fosse e decidir seu destino prontamente, sem ter que consultar alguém no final do dia a respeito. Como solteira, eu tinha meus livros e meus DVDs e minhas coisinhas que cabiam tranquilamente no espaço que eu tinha e, se não coubessem, eu pegava emprestado espaço da mamãe para me organizar.

Mas agora, tudo mudou. Como casada, eu ainda não aprendi quando uma roupa dele está suja e precisa ir pra máquina ou quando a roupa está no sofá pra ser usada no dia seguinte. Como casada, eu ainda não aprendi como lidar com o que me parece bagunça, mas que, para meu marido, é essencial que permaneça daquele jeito para que ele não perca alguma coisa. Como casada, eu ainda não aprendi a lavar a louça enquanto cozinho para evitar que se acumule até o dia seguinte, caso ele realmente não tenha tempo para lavar. Como casada e com seminarista nos últimos dias do seminário, eu tive que abrir mão dos meus horários reguladinhos e dos sonhos culinários que demorariam tempo demais para serem realizados (algo que eu também não tenho tido ultimamente).

Como casada, precisei aprender (e estou aprendendo ainda) a viver a dois. Como?
  1. Aceito que faço parte da bagunça. Muitas vezes, eu reclamo da bagunça dele, mas quando vamos arrumar um pouco, percebo que há muitas coisas minhas também misturadas e empilhadas juntamente com as dele. Okay, ele é bagunçado, mas eu também tenho me deixado relaxar nesses últimos tempos. Perceber isso já me desarma um pouco.
  2. Um pouco de bagunça dá pra tolerar. Não há pecado em deixar uma bagunça aqui e acolá, contanto que isso não impeça a vida diária de fluir. A casa foi feita para ser ambiente de vida. Ninguém consegue manter tudo bonitinho a hora toda. O importante é saber quanta bagunça é tolerável e quando realmente é hora de ajeitar as coisas (quando a cama se torna o único lugar da casa para se sentar, por exemplo).
  3. Não deixo as coisas para depois. Okay, às vezes eu deixo. Isso porque antigamente quando eu era solteira, eu tinha tempo e privacidade para arrumar por horas a fim. Hoje, haha! Quem dera. Portanto, tenho tentado criar o hábito de fazer na hora. Pensou? Lembrou? Fez. Ou isso, ou anoto em algum lugar para não me esquecer. Isso, aliás, me ajuda bastante na questão da ansiedade também, especialmente porque eu sou uma esquecida e se eu não fizer na hora ou anotar, as coisas vêm me incomodar direto e toda vez me frustro por não saber quando ou como irei cuidar daquilo.
  4. Tento concentrar a bagunça. A bagunça começa a se tornar um problema quando ela se alastra pela casa inteira. Isso significa que você (se for que nem eu) não tem paz onde você estiver. Antigamente, em casa, a bagunça ocupava ambos os sofás inteiros (eu precisava caçar um lugar para sentar para relaxar depois do trampo), a mesa (porque qualquer superfície é lugar de se colocar as coisas, né?!), e até a cama (essa era minha mania de botar as roupas limpas em cima da cama e não guarda-las na hora, deixando-as se acumularem). Hoje, tenho tentado no mínimo manter o espaço da cozinha livre de bagunça, além dos sofás e da cama (afinal, são para dormir e sentar e relaxar, né?!)
  5. Tenho um espaço só meu. No momento, como a casa tem sido tomada por livros e computador do marido (vida de seminarista não é fácil, não!), e como não tenho organizado minha mesa no quarto sabendo que em poucas semanas estarei desfazendo-o me daquele móvel para dar lugar ao berço e cômoda do baby, meu espaço pessoal tem sido do lado de fora: o meu canteirinho. Tá, não é bem um canteirinho. É uma jardineira na qual plantei sementes de hortaliças e que estão no processo de brotar e crescer. Todo dia de manhã, antes de sair pro trabalho, rego as plantinhas. E quando volto, é impressionante como sentar ao lado e só olhar para elas e sonhar com um canteiro bem cheio de manjericão, alecrim e orégano, me relaxa e assim consigo encontrar coragem de enfrentar o que tem dentro de casa.
  6. Tenha o importante bem guardado. Guardo (ou tento guardar) as coisas mais importantes (documentos, remédios, meu celular, minha bolsa, etc.) em lugares onde não serão vítimas da enxurrada da bagunça. Isso facilita na hora de urgência e é mais do que organização: É responsabilidade. Pastas para documentos, gavetas no banheiro para remédios, etc.
  7. Amo. Simples assim. Meu marido não é agoniado que nem eu, ele nunca foi. Se fosse, acho que nós dois iríamos perder a cabeça juntos. Graças a Deus pela tranquilidade dele! E tanto ele quanto eu temos falhas que precisam ser toleradas e aceitas pelo outro. Eu nunca vou conseguir torna-lo o senhor todo-arrumado. Muito pelo contrário, acho que ele tem mais chance de me converter pro lado mais relaxado! E ele nunca conseguirá consertar a minha droga de incapacidade de lembrar muitas vezes de coisas importantes. Eu simplesmente desligo às vezes. Por isso, eu tenho uma agenda. Não consigo pensar em mais de uma coisa ao mesmo tempo. A tolerância e aceitação dessas coisas é essencial no ato de tornar-se um no casamento.
  8. Incentive em amor. Meu marido gosta demais das minhas listas e minha agenda. Toda vez que eu abro para discutir planos com ele, ele me elogia. Isso me encoraja e me faz sentir que meus cuidados não são em vão e que contribuem para o funcionamento da casa. Já eu tenho tentado parar de reclamar da bagunça e torná-la mais uma questão de família do que um problema só dele. Afinal, somos uma equipe e temos que resolver as coisas em equipe (ou sofrê-las juntos!). Tenho tentado encontrar soluções práticas e amáveis para incentivá-lo tanto nos estudos dele quanto na manutenção da casa. Eu odiava, por exemplo, quando ele ia dormir de madrugada fazendo trabalho, tanto é que ele deixou de fazer isso muitas vezes por amor a mim e tentou se adaptar ao meu horário. Hoje, eu entendo a necessidade dele de esticar as horas noturnas (é quando a cabeça dele funciona melhor) para fazer trabalhos e tenho ido dormir sem ele, sem reclamar, para ajudá-lo nesse sentido.
  9. Minha vida vale mais do que o quão limpa minha casa está. Algumas vezes, de fato, a desorganização te impede de viver com mais tranquilidade. Mas a questão é simples: Eu fui criada por Deus para servir a minha casa ou minha casa foi me dada por Deus para servir a mim? Nenhum dos dois! Eu fui feita para servir a Deus com minha casa! E Deus não requer de mim perfeição ou um chão brilhante. Ele requer um coração grato e arrependido e servo. "Eis que é o obedecer é melhor do que o sacrificar..." (1 Samuel 15.22) Portanto, preciso me lembrar diariamente das verdadeiras prioridades da minha vida e sempre me questionar: Por que eu acho que só encontro paz se minha casa estiver organizada? Vale a pena sacrificar meu amor pelo meu marido por isso? Meu amor por Deus? Será que uma casa arrumada tem se tornado um ídolo para mim?
Enfim, eu sei que precisarei ainda me acostumar muito com isso, especialmente com um pequenino vindo por aí. A casa é orgânica, não estática. As coisas ficam limpas, ficam sujas, precisam de manutenção, dão conforto, mudam, transformam, etc. Estou aprendendo a aceitar isso. Quem sabe no futuro não posto uma foto de como o canto do bebê finalmente ficou!

Estou amando esta vida de aprendizagem e adaptação! A vida a dois (e em breve, a três!) é uma de viver pelo outro e por Deus.

segunda-feira, 21 de outubro de 2013

Um namoro redimido? — Parte II


PARTE II: UMA ETIQUETA DUVIDOSA

Por Drika Vasconcelos

No último post dessa pequena série (ParteI: Definindo os termos), bati bastante na mesma tecla para enfatizar o conceito de namoro sobre os quais esses textos tratarão. Para relembrar, quando eu falo de namoro, eu estou automaticamente falando de “um relacionamento no qual duas pessoas do sexo oposto se comprometeram pública, romântica, emocional e exclusivamente (com ou sem relações físicas) uma à outra sem compromisso imediato de casamento”.

No entanto, na comunidade evangélica, é comum vermos elementos culturais, bons e ruins, sendo removidos do seu contexto e batizados com um termo mais “crente”. Não entrarei no mérito da questão, mas temos, por exemplo, música gospel, filmes cristãos, entre outros, e o namoro com certeza não se escapa. Chama-se o famoso namoro cristão.

Por causa costume que nós temos de querer deixar as palavras se explicarem por si mesmas sem nos preocupar com seus conceitos ou até mesmo com nosso próprio entendimento do que se trata, eu me frustro muito com o uso do termo “namoro cristão”. Isso porque quem usa raramente se dá o trabalho de explicar melhor. E muitas vezes me dá a impressão de que é simplesmente um tapete sob o qual muitas pessoas varrem muita sujeira e evitam discutir além do básico “sexo com namorado(a) é pecado”.

Antes de casar, nunca precisei fazer muitas compras, mas, nesse último ano e meio, me tenho visto caminhando pelos supermercados no mínimo duas vezes por mês. Aprendi algumas coisas essenciais para poder fazer boas compras. Os produtos carregam informações importantes que teoricamente permitem que pratiquemos nossa liberdade de escolha. Nos informam o tipo de produto, seu valor comercial, a data de validade, o seu valor nutritivo, se contém glúten ou não, o fabricante, o endereço do fabricante, e incluem muitas vezes uma imagem do produto e uma sugestão de consumo. Assim, eu posso selecionar algo que se encaixe nas minhas necessidades e no que considero ser bom para meu marido, meu filho e eu. Claro, enquanto eu não tiver condições de cultivar e produzir meus próprios alimentos, preciso confiar na empresa que está me fornecendo as informações e no órgão brasileiro que regula tudo isso.

Mas vejamos por esse lado... Suponhamos que você esteja fazendo compras e se depara, num dos corredores, com uma prateleira carregada de latas peladas sem qualquer identificação, nem mesmo o preço, apenas com uma etiqueta grande dizendo “Saudável”. Naturalmente, você achará estranho, porque perceberá que:
  1. há uma falta absurda de informação e orientação a respeito do que contem a lata e por que seria considerado “saudável”;
  2. é exigido que se confie inteira e cegamente em quem colocou a etiqueta. 
Ou seja, você está sendo tolhido do seu direito e dever de discernir. Minha pergunta então é: Você compraria? Imagino que não! Talvez ficaria olhando por uns minutos, achando estranho e tentando, por curiosidade, descobrir do que se trata. Mas sem saber ao menos o preço, dificilmente o colocaria no seu carrinho. Em outras palavras, essa etiqueta é inútil para o comprador!

No entanto, é o que fazemos muitas vezes com o evangeliquês. Mas dizer que algo é “de Deus” ou “santo” ou “cristão” sem procurar explicar, definir e pensar mais a fundo sobre o assunto, é no mínimo uma tolice. Você estará oferecendo aos seus ouvintes um produto apenas com a sua etiqueta e sem mais informações importantes. Quem parar para pensar e se importar de fato não comprará. Se você não explicar, quem garante que você acertou na etiqueta? Quem garante que você sabe sequer o que a etiqueta significa? Você está ciente do que pode vir a causar caso estiver errado quanto à etiqueta?

“Mas qualquer que fizer tropeçar um destes pequeninos que creem em mim, melhor lhe fora que se lhe pendurasse ao pescoço uma pedra de moinho, e se submergisse na profundeza do mar."
Mateus 18.6

Volto a enfatizar a tão importante necessidade de se definir e conhecer os conceitos por detrás dos termos. E a importância de tomarmos cuidado com o falamos, especialmente aos que ainda não têm capacidade de discernir por si sós. Isso é importante em todos os momentos da vida... desde a sua oração mais íntima até o seu ato de comprar um pão na padaria (se o padeiro e você não concordarem no que é um pão francês, é provável que você seja decepcionado na hora de comprar um).

Eu já defini para você, no meu ver, o que é namoro. Cabe a você agora aceitar ou não essa definição e, se sim, discernir o que você ou os outros querem dizer quando acrescentam a etiqueta cristão. Então, eu te convido a refletir. É sério mesmo! Pare e pense:
  1. Você concorda com a definição de namoro mencionado acima?
  2. Se você discorda completamente com minha definição de namoro, o que você entende por namoro?
  3. Você tem sido aquele que compra um produto só por causa ou apesar daquela única etiqueta? Você tem sido aquele que coloca a etiqueta sem pensar no que de fato significa?
  4. Na sua opinião, o que faz com que um namoro, na definição dada nesse post, seja um namoro especificamente cristão?
  5. Na sua opinião, qual a diferença entre um namoro cristão e um namoro não cristão (ou “mundano”)?
  6. Usar o termo “cristão”, pela lógica, deveria significar que você está usando parâmetros bíblicos para categorizar alguma coisa. Portanto, qual é a sua base bíblica?
  7. Você acha que todo mundo concorda com a sua definição? Há alguém que discorde de você? Como?
  8. O que você acha da definição das outras pessoas sobre o que é um namoro cristão? Quais são os pontos em comum?
  9. Na sua opinião, o que significa quando um namoro “dá certo”?
  10. Para um namoro ser “cristão”, ele precisa “dar certo”?
  11. Você já se sentiu frustrado ou decepcionado ao perceber que a etiqueta “cristão” que você ou outra pessoa colocou no namoro não vingou?

Vou expor breve e rapidamente minha opinião antes de continuar para o próximo post. Não há consenso entre os cristãos sobre o que significa namoro cristão. E talvez, por causa do conflito que isso tem gerado, muitas vezes, acabamos por tolerar namoros entre cristãos que parecem não estar indo “tão mal assim”. Na minha opinião, por falta de um termo melhor, mas na necessidade de redefinir e definir bem esse termo, acredito que há sim, uma forma de namorar... biblicamente. Prefiro descartar então a palavra “cristão”, porque muitas vezes ela acaba se referindo a ou dando a entender um relacionamento que é aceito na comunidade cristã, que é profundamente tomada e dirigida pela cultura atual, e não aponta necessariamente ao que deveria ser a sua base principal: a Bíblia.

Portanto, eu sou também contra o “namoro cristão”, pelo uso inadequado e inútil dos termos. Sou bem chatinha, né? Tenho sido extremamente cautelosa com isso especialmente porque tenho visto casos de doer o coração, mas sem poder ajudar como eu gostaria, por causa da inutilidade e prejuízo provindo do termo “namoro cristão”. Mas ao contrário do que muitos perguntam e usam como argumento, acredito que seja inconcebível a ideia na sociedade de hoje das pessoas se casarem sem nem se conhecerem. Apesar de que a base para o casamento é a aliança e não depende das pessoas se conhecerem bem ou não, creio ser totalmente desnecessário esse caminho nos dias de hoje. O problema é que tornamos obrigatório esse conhecimento prévio através do namoro unicamente. Será mesmo essa a utilidade de um namoro bíblico? O que se pode aprender e conhecer da outra pessoa num namoro que você não consegue conhecer investindo numa amizade madura e íntima? Qual deveria ser de fato o papel do namoro na vida de quem tem como base de vida os mandamentos: “Amarás, pois, ao Senhor teu Deus de todo o teu coração, e de toda a tua alma, e de todo o teu entendimento, e de todas as tuas forças; este é o primeiro mandamento. E o segundo, semelhante a este, é: Amarás o teu próximo como a ti mesmo. Não há outro mandamento maior do que estes” (Marcos 12.30-31). Será que temos obedecido esses mandamentos nos nossos namoros?

Em breve, PARTE III...

“Ora, o homem natural não aceita as coisas do Espírito de Deus, porque para ele são loucura; e não pode entendê-las, porque elas se discernem espiritualmente.”
1 Coríntios 2.14

“Porque a palavra de Deus é viva e eficaz, e mais cortante do que qualquer espada de dois gumes, e penetra até a divisão de alma e espírito, e de juntas e medulas, e é apta para discernir os pensamentos e intenções do coração.”
Hebreus 4.12

domingo, 13 de outubro de 2013

Ansiedade: O pecado tolerado (ou Renato Russo vs. Horatio Spafford)


Por Drika Vasconcelos

(Antes de postar Parte II da sequência sobre namoro, decidi mudar o assunto um pouco!)

É impressionante como a vida de casada nos apresenta a vários problemas e desafios que nunca antes imaginávamos que existiam. Eu, pessoalmente, nunca precisei me preocupar com a limpeza do chão da cozinha toda semana ou com a quantidade certa (e o tipo certo) de frutas para comprar sem correr o risco de tudo apodrecer. E agora que temos um bebê chegando em Janeiro, os cuidados redobraram e as preocupações se multiplicaram. Será que eu serei uma boa mãe? Eu nunca cuidei de um bebê antes, o que eu vou fazer?! E a questão financeira? Será que vamos conseguir segurar as pontas?

Toda fase da vida tem seus desafios e suas etapas a serem vividas de uma forma ou outra. E cada um de nós lidamos com esses problemas e as preocupações de formas diferentes. Mas tenho certeza que a forma mais popular de todas — e que, inclusive, é o meu pecado predileto — é a ansiedade. Convenhamos, né... Parece ser a tendência natural do nosso coração. Os dias passam, as angústias acumulam, e o coração vai se apertando cada vez mais. Muitas vezes, parece que estamos sendo sufocados pela expectativa daquilo que irá ou não irá acontecer.

Uma amiga hoje falou para mim que estava um tanto estressada. Minha reação automática foi cantar em tom de brincadeira a música Mais uma vez de Renato Russo para ela.

Mas é claro que o sol vai voltar amanhã
Mais uma vez eu sei
Escuridão já vi pior de endoidecer gente sã
Espera que o sol já vem.




Vamos ser honestos... a música é inspiradora, né? O sol virá amanhã, as coisas vão melhorar, confie em si mesmo que vale a pena e você vai conseguir, certo?

Não.

No fundo, fundo do coração, sabemos que não existe promessa mais mesquinha do que a de que amanhã será melhor. Quem somos nós para garantir isso? Quem é você? E se o dinheiro não der mesmo? E se eu morrer solteira? E se eu não passar no concurso? E se ele ou ela não conseguir melhorar da doença? Isso acontece todo dia, porque não aconteceria comigo? Eu sou diferente ou especial para esperar algo melhor para mim? Será que o truque para meu sucesso é confiar mesmo em mim mesma? Será que eu sequer sei o que de fato é melhor para mim? Eu sequer consigo garantir minha próxima batida de coração?

Não. Não há para onde escapar.

O mundo está mergulhado na ansiedade. Parece que quanto mais nós temos, mais nós tememos. Estamos caindo aos pedaços, amedrontados, sufocados e angustiados. Queremos viver por mais tempo, então nos obcecamos pelo que comemos e como nos exercitamos. Queremos garantir nosso sustento, então trabalhamos horas a mais, sobrecarregados, arrancando os cabelos para chegar ao topo. Queremos ser felizes, então pomos todo o resto a risco para tentar encontrar a tal felicidade que nunca chega. E quando nossos planos não dão certo ou demoram para serem realizados, somos engalfinhados pela ansiedade.

Vou ser sincera. A ansiedade é um dos meus pecados prediletos. Eu gosto de ser organizada e planejar tudo com antecedência, o que é uma coisa boa, mas, por outro lado, esse hábito me dá a sensação às vezes de que consigo controlar alguma coisa na minha vida por me preparar e tentar resolver tudo previamente. Às vezes me pego tentando imaginar o futuro e cada problema que poderá surgir pra ter certeza de que estou preparada para fazer tudo dar certo. Ontem, por exemplo, o plano era ir pra consulta médica e, logo depois, buscar meu pai que ia passar um dia conosco antes de voltar para os EUA. Estava tudo preparado em casa, inclusive o jantar especial no qual a gente havia investido um pouco mais de dinheiro. Aconteceu que, para nossa tristeza, papai descobriu que o voo sairia naquele mesmo dia, ao invés do dia seguinte. Eu literalmente desmoronei e achei que o mundo havia acabado. Perguntem ao meu marido, ele sabe bem como não consigo lidar com mudanças de planos.

E eu sempre soube que ansiedade é “desaconselhada” pela Bíblia. Mas nunca de fato parei para estudar isso mais a fundo. Então, por amor ao meu filho que nascerá em Janeiro e está tendo que aguentar os nervos da mãe ansiosa, decidi ler e compartilhar com vocês.

1 Pedro 5.5-10 (ARA)
Ansiedade é sinal de soberba e orgulho. Deus resiste aos soberbos, mas dá graça aos humildes. Ao nos humilhar, devemos reconhecer o poder de Deus e, consequentemente, abrir mão da nossa ansiedade. A nossa ansiedade contínua é indicativa da nossa rebelião contra Deus, do nosso orgulho que insiste em querer tomar o controle do nosso destino.

A ansiedade nos torna egoístas. É até fácil identificar uma pessoa que está muito ansiosa, porque ela dificilmente prestará atenção nos problemas dos outros. Temos a tendência, quando estamos ansiosos, de nos isolar no nosso universo e nos afogar nos nossos problemas. Pedro aqui está nos lembrando dos nossos irmãos que estão passando ou já passaram por situações semelhantes e até piores que as nossas. Ele nos convida a sair desse mundo fechado e sombrio que criamos ao nosso redor com a nuvem da ansiedade pairando por cima e a lembrar as necessidades e aflições dos outros.

A nossa ansiedade despreza o poder transformador do sofrimento. Na ansiedade, queremos tanto evitar a dor e o sofrimento, que menosprezamos ou rejeitamos algo que poderá vir a ser algo transformador na nossa vida e na vida dos que estão ao nosso redor. Pedro diz que Cristo lança mão do sofrimento para nos “aperfeiçoar, firmar e fundamentar”. Lembremos de Romanos 8.28.

Mateus 6.24 (ARA)
Ansiedade nos escraviza ao objeto da nossa ansiedade. Jesus está se referindo aqui à servidão, não aos empregos que temos hoje entre os quais podemos alternar — trabalhar num canto de dia e noutro canto a noite. Nesse caso, há apenas um senhor e todos os afazeres eram regulados e controlados por ele. Aqui, fala-se de riquezas, mas podemos aplicar isso a qualquer ídolo na nossa vida que tira de Deus a nossa atenção, devoção, adoração e amor. Para sermos mais sinceros ainda, se formos levar bem em consideração os detalhes desse versículo, veremos que essa escravidão  escolhida que gera ansiedade evidencia ódio e desprezo pelo próprio Deus!! Bem sério isso, não é?! Bem mais sério do que eu imaginava antes! Ao andar ansiosa, estou odiando a Deus! Não sei você, mas isso me assustou!

Mateus 6.25 (ARA)
A ansiedade desvaloriza a vida e a reduz ao materialismo. Será que Deus nos criou e nos salvou apenas para comermos e nos vestirmos? Será que nossa vida para Ele é só isso? Obviamente, são perguntas retóricas e que são fáceis de responder agora com um ressonante “Não!”. Mas nosso coração é enganoso e necessita de constante sondagem, disciplina e lembrança.

Mateus 6:26-27 (ARA)
A ansiedade nos torna inertes e impotentes. É a conclusão lógica esse texto. Em Lucas 12, falando sobre o mesmo tema, Jesus diz: “Porquanto, se não podeis fazer nem as coisas mínimas, por que estais ansiosos pelas outras?” Cristo aqui afirma que é impossível mudar qualquer coisa através da nossa preocupação. Não adianta arrancarmos os cabelos. É mais provável que nossa ansiedade nos faça morrer mais cedo do que nos manter vivos por mais tempo.

Em contrapartida, Jesus nos manda observar o cuidado que Deus tem pelas aves. O pássaro não é capaz de plantar, colher, armazenar, comprar no supermercado, etc. Ele busca e come o que tiver na hora que lhe for providenciado. E é Deus quem providencia. Não significa que devemos parar de planejar, trabalhar e nos preparar. Os provérbios de Salomão nos adverte bem quanto a isso (Provérbios 6.6). Mas, ao trabalharmos e nos planejarmos, precisamos manter em mente que quem garante nosso sustento e nossa própria vida é Deus (Provérbios 16.1)!

Mateus 6.28-30 (ARA)
Deus proverá! Já foi falado, mas nunca é demais repetir. É simplesmente isso! Se colocarmos de lado nossos ídolos, nossa autoconfiança, nosso orgulho, nosso desprezo pela soberania do nosso Senhor, perceberemos que, de fato, Deus proverá. No início, Deus criou todas as coisas não somente para Sua glória, mas também para o sustento e o prazer do homem. Ora, se Deus cuida da natureza que Ele criou para nós, quanto mais Ele não cuidará de nós, os seus filhos!

Ansiedade é fruto de descrença em Deus. “Homens de pequena fé”. Eis a raiz do problema! Jesus usou exatamente esse mesmo termo com Pedro quando esse saiu do barco no meio da tempestade para andar sobre as águas e se encontrar com Cristo na metade do caminho. Pedro começa andando tranquilamente, mas começou a duvidar... Afundou. Jesus o salvou e o repreendeu: “Homem de pequena fé, por que duvidaste?” (Mateus 14.31). Nossa ansiedade, minha ansiedade, sua ansiedade, é fruto de uma descrença em Deus. É fruto de uma desconfiança pecaminosa que nos faz duvidar da fidelidade Dele ou se de fato Ele é capaz de fazer aquilo que Ele prometeu. Estamos praticamente chamando-o de mentiroso, que é algo sério. Lembra o que Jesus falou aos fariseus? Não? Então leia João 8.44.

Mateus 6.31-32 (ARA)
Deus é nosso Pai celeste e não está alheio às nossas necessidades. Ele nos criou e conhece melhor as nossas necessidades do que nós mesmos! O simples fato de estarmos respirando agora mesmo depende inteiramente da vontade Dele. Não há um milímetro da nossa vida da qual Ele não esteja ciente.

Mateus 6.33-34 (ARA)
Ansiedade é uma desestruturação das nossas prioridades. Ela surge quando buscamos primeiro os nossos próprios interesses e deixamos Deus e a Sua vontade para depois. Fomos criados e estruturados para direcionar nossa vida para Deus e buscar a Sua vontade.

Para cada dia, há seu problema e sua graça! É engraçado que muitas vezes tentamos acalmar uns aos outros afirmando que amanhã será melhor, que os problemas passarão (como a música do Renato Russo). Já Jesus não fala de sol nem flores amanhã. O convite Dele é até de assustar! Tomar a cruz? Ser perseguido? Rejeitado? Sofrer? E aqui Ele fala que amanhã virá com seus próprios problemas. É o esperado, o senso comum dita isso. Mas com isso lembramos também da oração de Jesus na qual Ele nos ensina a pedir “o pão nosso de cada dia” (Mateus 6.11). Cada dia. Uma ilustração fantástica para isso é a história dos israelitas quando estavam no deserto comendo do maná que caía diariamente. Era impossível eles armazenarem comida de um dia pro outro, porque o maná apodrecia. Precisavam confiar que Deus os sustentaria cada dia. Da mesma forma, Jesus nos diz que basta a cada dia o seu mal. E para cada dia, há a graça suficiente de Deus para nos sustentar.

Lucas 12.13-34 (ARA)
Não temas! Lucas aqui registrou Jesus falando sobre o mesmo assunto em outro local. Destaquei esses versículos por ser um trecho diferente nesse sermão do que no sermão em Mateus... e também pelo fato de que me emocionou ler tais palavras vindas do nosso querido Mestre. “Não temas, ó pequeno rebanho!” Imagino-o sentado na grama, sorrindo e exclamando isso com uma certa ternura e compaixão na voz. Jesus encarnou e andou na terra como ser humano. Ele sentiu na pele as necessidades que nós temos no dia-a-dia. Eu acho que Cristo foi a pessoa nesse mundo que mais teve, digamos, “motivo” para ansiedade, pois Ele sabia bem do sofrimento que estava por vir no final da Sua vida e Ele foi tentado várias vezes a desistir (aliás, uma grande ênfase aqui no fato de que ser tentado não é a mesma coisa que pecar). No entanto, Ele se submeteu em mansidão e entregou Sua vida por nós. E eis que tamanho amor, mansidão e submissão se vira para nós, imersos nas nossas preocupações, e exclama “Não temas, ó pequeno rebanho!”. Não temas...! Deus já nos deu o Seu reino! Desprenda-se da sua ansiedade e invista naquilo que é eterno: no Reino de Deus.

Apesar da grande tentação, é impossível seguir adiante num único post, listando e estudando cada texto da Bíblia que se dirige ao nosso coração nesse aspecto. Mas eu gostaria de deixar umas sugestões de leitura e estudo.
  • Filipenses 4.6-9 – Somos chamados a substituir nossa ansiedade por pedidos de súplica a Deus e substituir nossos pensamentos de ansiedade por pensamentos diferentes que transformarão nossa forma de pensar e viver.
  • Salmo 34.10 – Tão simples, mas tão verdadeiro!
  • Jeremias 17.7, 8 – As bênçãos da confiança em Deus
  • Jeremias 29.11-13 – Deus sabe o que Ele está fazendo.
  • Isaías 46.3-4 – Amo tanto esses versículos que tatuei no meu tornozelo para me lembrar todo dia quem de fato me sustenta e guia meus passos! Deus me conhece, sempre me sustentou e sempre me sustentará!
  • Salmo 139 – Simplesmente um dos capítulos mais lindos da Bíblia. Vale a pena ler, estudar, guardar no coração e orar como Davi orou.
Tanto Renato Russo quanto muitos outros infelizmente procuraram e procuram confiar em si mesmos para resolver seus problemas. Mas Deus nos chama a abrir mão dessa confiança tão frágil e enganosa. Horatio Spafford (1828-1888) descreve isso em palavras magníficas pouco depois de perder todas as suas posses num incêndio e suas quatro filhas num naufrágio:

Se paz a mais doce me deres gozar,
Se dor a mais forte sofrer,
Oh, seja o que for,
Tu me fazes saber
Que feliz com Jesus sempre sou!


segunda-feira, 7 de outubro de 2013

Um namoro redimido? — Parte I

Por Drika Vasconcelos

PARTE I: DEFININDO OS TERMOS

O assunto rendeu e acho que está na hora de escrever um pouco mais e mais elaborado a respeito! 

Você talvez já leu meu último post sobre namoro. Se não, aqui está. Divirta-se! No post, defini namoro com sendo “um relacionamento no qual duas pessoas do sexo oposto se comprometeram pública, romântica, emocional e exclusivamente (com ou sem relações físicas) uma à outra sem compromisso imediato de casamento”. E, ao desenvolver do texto, me posicionei contra tal relacionamento por 13 motivos específicos (a lista original continha 30, mas dei uma boa enxugada para evitar fadiga). Alguns desses pontos, hoje acredito que poderiam até ser descartados, apesar de estarem certos. Outros poderiam ter sido elaborados mais extensivamente por si sós. Mas, como sou um paradoxo e gosto de ser sucinta mas nunca consigo, decidi manter o texto naquele formato mesmo. 

No começo, me espantei tanto com a repercussão que fui tentada a deletar o post por completo e fingir que nunca havia existido. Fiquei também até com uma vontade estranha (mas que logo passou) de pedir desculpas a todo mundo por ter causado polêmica. Mas os comentários, vários muito edificantes e intrigantes, foram o que mais ajudaram, de certa forma, a firmar minhas convicções. Afinal, de nada adianta ter um posicionamento se você não souber explicar ou defendê-lo! 

Uma lição magnífica que aprendi nisso tudo é a real importância de se definir os termos. Isso porque, como meu maravilhoso marido sempre me diz, as palavras não são nada sem os conceitos. O significante é insignificante sem seu significado. Se não levarmos isso a sério no nosso dia-a-dia e agirmos como se palavras bastassem, estaríamos subvertendo a comunicação e provocando desentendimentos sem nem percebermos! Em resumo: futilidade pura. 

Portanto, com isso em mente, acredito que a melhor forma de responder a pergunta “Por que você é contra o namoro?” é “O que você entende por namoro?”. 

Ué, eu sou contra e a favor de namoro! Por exemplo, meu marido e eu somos namorados. Afinal, namoro vem da expressão espanhola estar en amor. Não é? O problema é que hoje a expressão original não é a mesma que a definição atualizada no dicionário que também não é a definição que damos à palavra no nosso cotidiano. 

Portanto, para tornar a discussão mais prática, decidi definir o que entendo por namoro como vejo hoje, tanto na igreja quanto fora da igreja (e aqui insiro a definição que usei previamente): “um relacionamento no qual duas pessoas do sexo oposto se comprometeram pública, romântica, emocional e exclusivamente (com ou sem relações físicas) uma à outra [e aí vem a parte mais importante dessa definição] sem compromisso imediato de casamento”

Como falei antes, é futilidade querer brigar por termos e evitar discutir sobre o que de fato importa: os conceitos por detrás dos termos. Talvez seja mais fácil entender pensando assim: Se você perguntar a qualquer pessoa na rua se ela acredita em Deus, ela provavelmente dirá que sim. Agora, se você for mais a fundo e perguntar o que ela entende por “Deus” e por “acreditar” e como isso influencia a vida dela, você provavelmente verá que a resposta difere da sua ou da de muitas outras pessoas que também dizem que acreditam em Deus. 

Estou, portanto, aqui para discutir conceitos.

E tendo isso em mente, sim, continuo sendo contra qualquer relacionamento no qual duas pessoas do sexo oposto:
  1. se comprometeram pública (apesar de que há namoros escondidos, né? mas são exceção), romântica (acho que ninguém discorda disso, afinal, é o que diferencia namoro de amizade, não?), emocional (não se trata só de romance, mas há uma certa e inevitável cobrança emocional mais íntima, pelo menos no caso de uma das partes) e exclusivamente uma à outra (ignorando de propósito os chamados casos de "poli-amor" e não querendo nem chegar perto dos "relacionamentos abertos") com ou sem relações físicas (sim, estou falando de "namoro cristão" também em que ninguém "se pegou")
  2. sem compromisso imediato de casamento (já tem data marcada ou pelo menos uma previsão concreta e certa de casamento? não? então não há compromisso imediato de casamento).

Dividi a definição em duas partes, porque acredito que o problema está primariamente na junção do nº1 com o nº2. O problema é ter, como mencionei no último post, esse compromisso sem compromisso. Explicarei em mais detalhe nos próximos posts.

Perdoem a ênfase na definição que vou usar, mas, como perceberam, acredito que seja algo bem necessário antes de partir aos próximos posts. Afinal, estamos aqui para discutir um conceito e não o termo em si.

De que vale um nome? 
Aquela que chamamos rosa 
com qualquer outro nome 
teria o mesmo perfume. 

Romeu e Julieta, de William Shakespeare, 2º Ato, Cena 2 


Agora, você me pergunta: Se não formos namorar, como iremos casar? Como isso deixa de tornar o casamento uma escolha superficial? Como vou saber se a pessoa é certa para mim? Preciso me casar sem conhecer o outro? São todas perguntas ótimas e válidas as quais eu também estou fazendo ao escrever aqui e que tentarei usar como norte para continuar essa sequência de posts. Este primeiro parece até ter sido meio inútil, mas, como disse antes, é essencial definir os termos para sabermos direitinho do que está sendo tratado! E isso vale para qualquer argumentação.

PARTE II em breve. Fiquem ligados! ;)

quarta-feira, 27 de março de 2013

Casei, me mudei, e agora?

by Ingrid


“Não me instes para que te deixe e me obrigue a não seguir-te; porque, aonde quer que fores, irei eu e, onde quer que pousares, ali pousarei eu; o teu povo é o meu povo, o teu Deus é o meu Deus. Onde quer que morreres, morrerei eu e aí serei sepultada; faça-me o SENHOR o que bem lhe aprouver, se outra coisa que não seja a morte me separar de ti”, disse Rute à sua sogra Noemi quando esta lhe instou novamente para voltar à casa de seus pais e ao seu povo. Assim, Noemi parou de insistir com ela e continuaram sua viagem. Caminharam por cerca de dez dias, na terra árida da Palestina, quando chegaram à Belém, cidade natal da sogra. Ora, talvez você se pergunte por que alguém estaria tão obstinada a seguir sua sogra para qualquer lugar. Bem, Rute amava sua sogra. Aconteceu que ambas haviam se tornado viúvas e, tendo grande fome na terra em que habitavam, migraram para a pequena cidade de Belém, onde ouviram que havia alimento.

Então, Rute, tendo acabado de perder seu marido, havia deixado pai, mãe e a terra onde nascera para ir a um lugar desconhecido, a fim de não deixar sua sogra desamparada. A situação não era nada fácil: duas mulheres sozinhas – sendo uma delas estrangeira, e a outra já idosa –, precisando de comida e dinheiro para as suas despesas diárias, mais de 3mil anos atrás, em uma época em que uma mulher desamparada praticamente tinha apenas duas opções de vida: prostituição ou mendicância. E Rute estava bem consciente disso.

Ao chegar à nova cidade, Rute, que havia passado por mudanças drásticas em sua vida nos últimos dias, logo se aprontou para ir ao campo arrumar alimento. Não, ela não iria roubar comida do campo de outros. Havia uma lei na época que proibia os agricultores de colherem nos cantos e de apanharem as espigas caídas, para que as pessoas necessitadas tivessem onde buscar alimento. Por casualidade, ela entrou num campo que pertencia a um dos parentes de sua sogra e começou a colher espigas. Ficou por lá manhã e tarde, trabalhando diligentemente em sua nova tarefa.

Vendo-a, o dono do campo perguntou a um de seus trabalhadores quem ela era. E logo ele respondeu que era a moça que saíra de sua cidade para acompanhar Noemi. Sabendo de tudo o quanto havia se passado após a morte de seu marido, o dono do campo se compadeceu dela e lhe disse para não passar adiante, mas sempre colher ali em seu campo. E proveu para ela alimento, bebida, proteção, e ainda lhe chamou para se assentar com ele e seus trabalhadores na hora de comer; ela, então, comeu e se fartou. Foi assim que Rute conheceu seu futuro marido.

Assim como Rute, não são poucas as pessoas que deixam família, amigos, rotina e se mudam de cidade para acompanhar alguém que amam. Se você é alguém nessa situação, seja bem-vindo, você não está sozinho. E espero que a história de Rute seja tão interessante para você quanto foi para mim.

Rute mudou de cidade para acompanhar alguém que amava e precisava dela. O que chama atenção na história é a forma como ela reagiu:

1) Rute se mudou de bom grado. Foi dada a ela a oportunidade de ir para outro lugar, de voltar ao seu estilo de vida antigo; mas ela tinha consciência da família a qual pertencia agora. Então, a isso, ela respondeu: “faça-me o SENHOR o que bem lhe aprouver, se outra coisa que não seja a morte me separar de ti”.

2) Rute não ficou murmurando sobre o seu duro destino. Ao longo de sua história, não se veem reclamações sobre a forma como a vida tem sido cruel para ela, ou por ter sido deixada sozinha quando seu marido morreu, ou por estar passando fome, ou por ter apenas uma sogra velha como companhia. Rute está bem consciente da situação trágica em que se encontra, mas ao invés de murmurar ou sentir pena de si mesma, ela prefere gastar suas energias na busca de soluções para seus problemas.

3) Rute não se focou nos problemas da nova cidade. Pelo contrário, ela logo viu o que de positivo a cidade tinha de oferecer para ela e sua sogra, nesse caso: alimento.

4) Rute não se trancou dentro de casa. Ao chegar à cidade, Rute logo arruma uma tarefa. Ela não se tranca em seu quarto e chora copiosamente. Ela vai diligentemente ao campo durante todo o período da colheita, manhã e tarde.

5) Rute não se fechou para as pessoas. Ao perguntarem por sua identidade, as pessoas sabiam dizer quem ela era. Ela também aceitou de bom grado quando convidada por alguém que ainda não conhecia tão bem. Ao invés de apenas lamentar a perda e a distância das pessoas queridas, ela abriu-se a novas amizades.

6) Rute se integrou à vida da nova cidade. Não era a rotina a qual estava acostumada, e provavelmente não seria sua preferência, caso as circunstâncias permitissem, mas ela se juntou à rotina de várias pessoas na cidade para prover para sua casa aquilo que precisava.

Talvez você esteja pensando que Rute não era muito sensível, ou talvez não fosse muito apegada à sua família e à sua cidade natal. Não! Não é que Rute não fosse muito emotiva; certamente ela chorou em muitos momentos diante dos acontecimentos trágicos de sua vida. Mas Rute se apegava ao que era certo, ao Único que devemos nos apegar – Deus. Ela sabia que devemos depender somente dele e buscar refúgio sob as suas asas. Quando colocamos nossos alicerces sobre outras coisas e pessoas, ou nos consideramos autossuficientes, perdemos a visão certa diante das provações e fazemos drama, mergulhamos em autocomiseração. É dito na história que toda a cidade sabia que ela era mulher virtuosa. Rute é a personificação da mulher virtuosa descrita no texto de Provérbios 31.

O fim da história, para quem não sabe, foi assim: Rute se casou novamente com o dono do campo e tiveram um filho. Anos mais tarde, esse filho teve também um filho, que teve outro filho. E este era Davi, o pobre camponês que veio a ser o melhor rei que Israel já teve e um homem segundo o coração de Deus – sim, aquele mesmo que matou o gigante Golias. Mas tudo isso não teria acontecido se Rute não tivesse amorosamente acompanhado sua sogra até Belém.

Nós não temos a menor ideia do que está destinado a nós ao sairmos de nossas tão amadas cidades. Deixar para trás pai, mãe, irmãos, amigos, trabalhos, estudos, lugares preferidos nunca é fácil, mas você tem a opção de agir de uma forma virtuosa diante dessa situação, deixando com que Aquele que sabe de todas as coisas desvende lentamente as maravilhas preparadas para você.



*Este texto é dedicado às queridas amigas, de sotaques lindos e diferentes,
que seguem acompanhando seus maridos ao redor do Brasil (e do mundo),
e agindo de forma tão virtuosa ao fazê-lo.